Empresas devem zelar pela adequação da rotina do trabalhador
Conciliar responsabilidades profissionais com os cuidados exigidos
por filhos com deficiência é um desafio que vai muito além da rotina. As
empresas devem compreender a realidade do trabalhador, adequando-os a
rotina de atividades exigidas deste. O tema vem ganhando destaque em
diferentes tribunais do país, o que reforça o papel das normas
protetivas da criança e do adolescente e consolida a importância da
dignidade da pessoa humana como fundamento para decisões judiciais.
Um caso recentemente julgado pela Segunda Turma do Tribunal Superior
do Trabalho (TST), reconheceu o direito de uma técnica de enfermagem de
reduzir sua jornada em 50%, sem prejuízo salarial, para cuidar do filho
de 16 anos com paralisia cerebral, surdez e diversos déficits cognitivos
e motores. Embora a empresa pública federal em que trabalha tenha
argumentado que a trabalhadora era celetista e que, portanto, não havia
previsão legal expressa, a relatora do caso lembrou que a jurisprudência
consolidada do TST admite a aplicação analógica da Lei 8.112/90, que
garante o benefício a servidores públicos federais.
“O Judiciário tem compreendido que a ausência de norma específica na
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não pode servir de obstáculo
quando o direito fundamental à proteção da criança e da pessoa com
deficiência está em jogo”, explica Ana Claudia Cericatto, advogada
especialista em Direito do Trabalho da Andersen Ballão Advocacia.
Casos semelhantes têm surgido em todo o país. Em Cataguases (MG), um
soldador obteve judicialmente o direito de reduzir sua jornada uma vez
por semana, sem diminuição de salário, para levar a filha de quatro
anos, diagnosticada com transtorno do espectro autista, às sessões de
fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional. A juíza destacou que
não havia prova de prejuízo à empresa e que a necessidade de
acompanhamento paterno era essencial ao desenvolvimento da criança. A
decisão ainda estabeleceu multa de R$ 1 mil por dia em caso de
descumprimento pela empresa, que chegou a aplicar advertências ao
trabalhador por atrasos em razão do acompanhamento da filha às terapias.
Outro caso relevante ocorreu em Anápolis (GO), onde uma bancária, mãe
de um filho com transtorno do espectro autista e epilepsia de difícil
controle, conseguiu na Justiça a redução de 50% da jornada, também sem
perda salarial. De acordo com o juiz, a criança necessitava de 26 horas
semanais de terapias e havia o perigo de dano caso a medida não fosse
concedida. Em sua decisão, ele invocou a Lei Brasileira de Inclusão (Lei
13.146/15), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
ainda a Lei 14.457/22, que flexibiliza jornadas para pais com filhos
com deficiência, enfatizando que “a família é o suporte principal da
pessoa com deficiência, em especial da criança, em razão de sua dupla
vulnerabilidade”.
Precedentes se baseiam na Constituição Federal e no Estatuto da Pessoa com Deficiência
O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Tema 1.097, já
pacificou o direito à redução da jornada sem corte salarial para
servidores estaduais e municipais, reforçado pela Lei 13.370/16. No
setor privado, a ausência de previsão expressa ainda gera controvérsias,
mas o Projeto de Lei 124/23 tramita no Congresso e pretende garantir
redução mínima de duas horas diárias para trabalhadores que tenham
vínculo de cuidado indispensável com pessoas com deficiência, sem
compensação e sem prejuízo da remuneração.
Do ponto de vista legal, a Constituição Federal garante, em seus
artigos 5º, 6º e 7º, a proteção da família, a dignidade da pessoa humana
e a igualdade social. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei
13.146/15) reforça a inclusão e assegura condições de participação plena
e efetiva das pessoas com deficiência em igualdade de oportunidades. Já
a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status
constitucional, estabelece parâmetros internacionais para a proteção da
criança e do adolescente com deficiência.
Na visão da especialista da ABA, os julgados caminham no sentido de
expandir esses direitos. “O que vemos nas decisões recentes é a
aplicação do princípio da proteção integral à criança e ao adolescente,
combinado com a valorização da família como núcleo de apoio e cuidado
prevalecendo sobre a liberdade econômica. A Justiça tem entendido que a
conciliação entre vida profissional e as responsabilidades familiares é
um dever compartilhado por toda a sociedade, inclusive pelas empresas”,
afirma Ana Claudia.
Empresas devem se posicionar de forma inclusiva e humana
Com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018),
assim como a proteção da vida e a privacidade do empregado, direitos
fundamentais garantidos na Constituição Federal, o empregador não pode
solicitar informações sobre a saúde do empregado, tampouco, da saúde de
filho ou familiar, seja na admissão ou durante o contrato de trabalho. A
solicitação infringe as normas da legislação e a empresa poderá sofrer
com futuras indenizações por danos morais. “
É importante ressaltar que ainda não existe legislação que defina os
limites as responsabilidades que devem ser impostos no caso de
flexibilização da jornada de pais ou responsáveis. O assunto ainda não é
tratado nos instrumentos coletivos competentes, sendo que cada pedido
ainda depende de análise individual, mediante apresentação de laudos
médicos, relatórios de profissionais de saúde e comprovação da
necessidade de acompanhamento frequente. É nesse cenário de consolidação
jurisprudencial, aliado às mudanças legislativas, que se desenha o
futuro das relações de trabalho no Brasil para famílias com filhos com
deficiência.
“As recentes decisões a respeito do tema demostram que a melhor opção
para as partes é a negociação, sendo esta a forma mais assertiva e
recomendada para evitar riscos à relação de emprego. Ainda, não se pode
deixar de registrar que o beneficio não deve ser banalizado, e que as
condições específicas da redução da jornada de trabalho podem variar
dependendo do contexto legal e das políticas da empresa, conclui Ana
Claudia.
Fonte https://diariopcd.com.br/justica-reconhece-direito-de-reducao-de-jornada-para-pais-que-cuidam-de-filhos-com-deficiencia/
Postado Pôr Antônio Brito